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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Médicos recusam até bons salários


Alta remuneração, bolsas de estudo e estabilidade. Nada disso tem sido suficiente para atrair novos profissionais de Medicina às cidades de menor porte


Nem mesmo salários superiores a R$ 10 mil e a estabilidade do serviço público, almejada por muitos profissionais, têm sido o suficiente para atrair médicos aos pequenos e médios municípios paranaenses. Competindo com a rede particular e as oportunidades disponíveis em Curitiba e nos grandes centros, as cidades do interior se veem há anos em uma cruzada para preencher seus quadros médicos.
Criado pelo governo federal para tentar reverter essa situação, o Programa de Valorização do Profissional da Atenção Básica (Provab) vem se mostrando pouco eficaz. Das 2 mil vagas ofertadas para médicos recém-formados de todo o Brasil, apenas 1,4 mil tiveram interessados.
O Paraná aparece entre os estados que registraram menor número de selecionados no Provab, 25 ao todo. O primeiro colocado no número de aprovados é o Maranhão, cuja população é 35% menor que a paranaense, mas que terá mais de 300 médicos participantes. Mesmo entre os municípios paranaenses contemplados, alguns não irão participar. É o caso de Tibagi, nos Campos Gerais, que teve dois profissionais selecionados, mas que já eram contratados pela prefeitura. “Nosso intuito era valorizar os profissionais do quadro atual, mas depois soubemos que isso não seria possível”, explica a secretária municipal de Saúde, Elisângela de Carvalho.Lançado no ano passado, o Provab busca incentivar profissionais recém-formados a trabalharem por um ou dois anos em municípios de maior necessidade e nas periferias das grandes cidades. Para isso, oferta bolsas de especialização e bônus para concursos de residência. Em todo o Brasil, 1.228 municípios se inscreveram para receber os novos médicos, mas para 233 não houve interessados. No Paraná, das 61 cidades que se cadastraram, apenas 10 tiveram inscritos. Ao todo, as prefeituras informaram ter uma demanda de 7,1 mil profissionais para seus quadros.

Em Manoel Ribas, na Região Central, a secretária de Saúde, Iraci Ianczen, conta que o médico aprovado chegou a se apresentar na prefeitura para iniciar os trabalhos. Depois disso, no entanto, não apareceu mais. “Não sei o que aconteceu, se houve algum desentendimento posterior, mas estamos esperando”, relata. De acordo com a secretária, o intuito era reforçar o quadro do Centro Municipal de Saúde, que presta atendimento básico à população.
Procura
Muitas prefeituras paranaenses estão realizando concursos para selecionar médicos, algumas ofertando salários acima de R$ 10 mil. Em Assis Chateaubriand, no Oeste, o salário proposto chega a R$ 11,4 mil. Já a prefeitura de Prudentópolis, na Região Central, tem vagas para o Programa Saúde da Família (PSF) com vencimentos de R$ 10,9 mil. “Os grandes centros oferecem salários maiores, têm mais clínicas e, com isso, as pequenas cidades sofrem. Mas, dentro das nossas possibilidades, estamos conseguindo suprir a demanda”, diz o secretário de Saúde, Gustavo Luiz de Césaro.
Para os gestores de Coronel Vivida, no Sudoeste, a dificuldade maior está na contratação de pediatras e obstetras. Recentemente, a prefeitura promoveu concurso para as duas áreas, mas não houve aprovados. Com isso, a solução é continuar com profissionais temporários, que vêm de Pato Branco, a 33 quilômetros. “O que nós queríamos era ter alguém que criasse vínculo com a população, que estivesse mais próximo da comunidade”, lamenta Lisete Engelmann, secretária de Saúde licenciada.
Conselho quer plano de carreira para a categoria
A concentração de médicos nas capitais e a consequente dificuldade de angariar profissionais no interior foram confirmadas por um estudo do Conselho Federal de Medicina (CFM), divulgado no final do ano passado. De acordo com o levantamento Demografia Médica no Brasil, o conjunto das capitais tem uma razão de 4,22 médicos registrados a cada mil habitantes. Esse índice é mais que duas vezes superior à média nacional, de 1,95. Com mais de 8 mil profissionais registrados, Curitiba tem uma média de 4,85, enquanto em âmbito estadual esse índice é de 1,82.
Para o conselheiro Mauro Luiz de Britto Ribeiro, membro da Comissão Nacional Pró-SUS Remuneração e Mercado de Trabalho do Médico, a concentração de profissionais nos grandes centros não é exclusiva da categoria médica. Mas como o atendimento à saúde é um direito básico do cidadão, o CFM defende que a atividade no poder público seja regulamentada, nos moldes da Justiça e do Ministério Público. “Assim os médicos teriam um plano de cargos e carreiras, uma remuneração digna e a garantia de estabilidade. Ninguém vai trabalhar em um local se não houver atrativos”, argumenta.
Apesar de indicar os números, o relatório do CFM considera equivocado calcular a relação entre o número de profissionais em atividade e a população domiciliada. “Esse método é útil para o diagnóstico preliminar, mas falha ao tratar como iguais unidades de um universo tão complexo quanto heterogêneo, mostrando-se insuficiente para orientar uma política de saúde capaz de resolver distorções”, diz o texto.
Apoio inicial
Quanto ao Provab, Ribeiro lembra que o conselho apoiou o programa quando de seu lançamento, por entender que seria uma alternativa para atrair mais médicos aos municípios do interior. No entanto, a entidade acusa o não atendimento de alguns compromissos, como garantir contrato pelo regime celetista (CLT) e supervisão aos profissionais selecionados. “Os médicos estão ingressando e não há garantia nenhuma de que isso será atendido. Por isso estamos discutindo se mantemos ou não nosso apoio”.

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