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segunda-feira, 2 de abril de 2012

TCU quer reaver R$ 9,9 milhões repassados a Oscips para a saúde no PR


Sede da Oscip Instituto Confiancce: instituição não conseguiu comprovar que aplicou em saúde os valores repassados pelas prefeituras

Auditores do Tribunal de Contas da União encontram indícios de desvios e superfaturamento envolvendo duas organizações de Curitiba e as prefeituras de Paranaguá, Castro e Pinhais

na Gazeta do Povo

O Tribunal de Contas da União (TCU) no Paraná encontrou uma série de indícios de irregularidades em contratos firmados por prefeituras do estado com duas Oscips (Organização da So­­ciedade Civil de Interesse Pú­­blico) de Curitiba. A suspeita é de malversação de recursos federais na área da Saúde, chegando a quase R$ 10 milhões. Os indícios encontrados pelos auditores são de favorecimento em processos de licitação, desvio de recursos, superfaturamento, entre outros, e envolvem as Oscips Instituto Confiancce e Sociedade Ci­­vil de Desenvolvimento Hu­­mano e Socioeconômico do Brasil (Sodhebras), assim co­­mo os prefeitos e secretários de saúde de Paranaguá, Castro e Pinhais.
Auditoria do TCU a que a Gazeta do Povo teve acesso analisou a execução de 14 contratos, todos ligados às secretarias municipais de Saúde, cujos pagamentos chegaram a R$ 28,6 milhões. Esses recursos foram transferidos do Fundo Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, para o Fundo Mu­­ni­­cipal de Saúde das três prefeituras do Paraná. O TCU sustenta que as entidades não conseguiram prestar contas de R$ 9,9 milhões que lhes foram pagos pelas prefeituras.
Lista Negra
Terceiro setor está na mira de investigações sobre mau uso de dinheiro público
São cada vez mais frequentes as notícias de irregularidades envolvendo contratos firmados entre a administração pública e as entidades do terceiro setor – ONGs, Oscips e as OS. Essas instituições sem fins lucrativos são contratadas pelos entes públicos para prestar um serviço que cabe à administração municipal, estadual e federal. O mau uso do dinheiro público, tanto por dirigentes dessas entidades quanto dos gestores públicos, tem sido objeto de investigações dos órgãos de fiscalização e da imprensa.
Reportagem da Gazeta do Povo publicada no último dia 18 revelou que sete prefeituras do Paraná repassaram um total de R$ 41 milhões a organizações não governamentais que constam na lista negra da União. São entidades que, por suspeita de ilicitudes, estão proibidas de fazer novos convênios com o governo federal. A lista, que contém 164 entidades de todo o país, é da Controladoria Geral da União (CGU) e é formada por ONGs que tiveram problemas “graves e insanáveis” em seus contratos com ministérios. Nesta listagem estão seis instituições paranaenses.
Uma das mais recentes operações da Polícia Federal (PF) envolve as ONGs e Oscips. Em agosto de 2011, a ação da PF batizada como Voucher resultou na prisão de 38 pessoas – entre elas estava o secretário-executivo do Ministério do Turismo, o número dois na hierarquia ministerial. A investigação começou pela suspeita de desvio de recursos em contratos firmados entre entidades do terceiro setor e o governo federal.
Números
R$ 9,5 milhões é quanto a Oscip Instituto Confiancce deixou de comprovar como efetivamente gasto em saúde dos valores que foram repassados pelas prefeituras.
R$ 359,9 mil é o montante que a Sociedade Civil de Desenvolvimento Humano e Socioeconômico do Brasil (Sodhebras) não conseguiu justificar como aplicado em saúde.
15 dias foi o prazo dado pelo TCU, a partir da semana passada, para que prefeituras e Oscips paguem os quase R$ 10 milhões ou apresentem esclarecimentos.
Diante dos indícios de ilicitudes, a ministra relatora do TCU, Ana Arraes, determinou na semana passada a abertura de tomada de conta especial e deu prazo de 15 dias para que prefeituras e Oscips paguem os quase R$ 10 milhões ou apresentem esclarecimentos. Cópia do re­­latório foi encaminhada ain­­da para os ministérios da Saúde e da Justiça, para a Procuradoria da República no Paraná e para o Tribunal de Contas do Estado (TCE).
Dos 14 contratos e termos de parceria analisados, oito envolvem a Sodhebras e o restante o Instituto Confiancce. Apesar do menor número de contratos analisados, quase toda a dívida que está sendo cobrada pela União faz menção aos contratos do Instituto Confiancce. Segundo relatório, a Confiancce não conseguiu comprovar na prestação de contas o montante de R$ 9,5 milhões que foram repassados pelas prefeituras. Enquanto que a Sodhebras não conseguiu justificar o repasse de R$ 359,9 mil. Já os gestores públicos, cita o relatório, foram omissos na fiscalização da execução dos contratos.
O relatório dos auditores mostra que os indícios de ilicitudes envolvendo as prefeituras e Oscips começam desde a modalidade da escolha das entidades até o pagamento dos serviços realizados. O trabalho do TCU se baseou principalmente em exame de documentos relacionados à contratação e aos pagamentos efetuados às Oscips pelos municípios, bem como comprovantes de despesas apresentados pelas entidades contratadas. Um dos entendimentos do tribunal é que as prefeituras deveriam firmar contratos e termos de parceria com as Oscips através de concurso de projetos e não por pregão presencial, concorrência pública e dispensa de licitação, como aconteceu. A contratação irregular, cita o TCU, reforça os indícios de direcionamento para beneficiar a Sodhebras e o Instituto Confiancce.
Além das modalidades usadas no processo de contratação das Oscips, os auditores encontraram indício de superfaturamento, caracterizado pelo pagamento de horas relativas a plantões médicos cujas prestações não foram comprovadas pelas en­­tidades. O valor supostamente desviado, cita o relatório do TCU, pode ter beneficiado os próprios dirigentes do Instituto Confiancce. “A constatação da movimentação irregular das contas bancárias específicas relaciona­­das aos ajustes firmados entre os municípios contratantes e as entidades permite concluir que parcela considerável desses recursos financeiros foram desviados em proveito de dirigentes e de familiares destes”.
Envolvidos negam irregularidades
As duas Oscips (Organização da Sociedade Civil de In­­te­­resse Público) de Curitiba e os gestores públicos envolvidos em supostas irregularidades na execução de contratos apontadas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) afir­­maram que ainda não foram oficialmente notificadas da decisão do tribunal. Mas de antemão garantem que não há qualquer ilicitude na prestação dos serviços previstos nos contratos.
A Gazeta do Povo este­­ve na sede do Instituto Con­­fiancce. O advogado da entidade, Júlio César Henrichs, afirmou que “todos os apontamentos elencados pelo TCU serão devidamente justificados com a apresentação de documentos tão logo a Confiancce for notificada”. O advogado negou que haja qualquer irregularidade nos contratos analisados pelo tribunal. “Todas as despesas são justificáveis e estão contempladas nos respectivos termos de parceira firmados com as prefeituras”. Ainda de acordo com Henrichs, a atual presidente da entidade, Clarice Lourenço Theriba, está em viagem.
Os dirigentes da Sociedade Civil de Desenvolvimento Hu­­mano e Socioeconômico do Brasil (Sodhebras), Miguel Ângelo Crespo Garcia Júnior e Luci Helena de Oliveira Gar­­cia, não foram localiza­­dos pela reportagem para comentar o assunto. Por três dias, a Gazeta do Povo tentou falar com os responsáveis pela Oscip, mas em nenhum momento os dirigentes atenderam à reportagem. Segundo funcionários da Sodhebras, apenas Garcia Júnior poderia falar sobre o assunto.
O prefeito de Paranaguá, José Baka Filho, e a secretária municipal de Saúde, Isolda de Barros Maciel, também não foram localizados. O secretário de governo, Mário Lobo Filho, foi quem respondeu aos questionamentos. Ele afirmou que a prefeitura ainda não recebeu nenhuma comunicação oficial do TCU e negou qualquer ilicitude. “Entendemos que os serviços foram adequadamente prestados. Vemos poucas maneiras de prestar um bom serviço na área de saúde sem contar com esse tipo de terceirização porque temos dificuldade de recrutar pessoas nessa área”, afirmou Lobo Filho, citando o desinteresse desses profissionais em concursos públicos feitos pela prefeitura de Paranaguá. O secretário disse ainda que somente agora a prefeitura terá a oportunidade de apresentar defesa dos fatos narrados pelo TCU.
A assessoria da prefeitura de Castro informou que o prefeito Moacyr Elias Fadel Júnior não poderia atender à Gazeta do Povo porque ele estava fora da prefeitura. A secretária municipal de Saúde, Maria Lidia Kravutschke, disse que até o momento ninguém foi notificado sobre o relatório do TCU. Ela disse que, dos contratos analisados, apenas um foi firmado pela prefeitura de Castro e que não há irregularidade. “Estamos tranquilos quanto aos itens apontados pelo TCU porque realizamos um concurso de projetos para o termo de parceria e todos os profissionais que foram contratados para execução dos projetos realmente prestaram serviço no município”, disse.
Já a assessoria de imprensa da prefeitura de Pinhais informou que só deve se manifestar depois que for notificada pelo TCU.
O ex-prefeito da cidade, Mário Bonaldo, e o ex-secretário municipal de Saúde não foram localizados para comentar o relatório do TCU.

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