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sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Tese de doutorado questiona terceirização na saúde


no Informe ENSP


O fenômeno da terceirização da prestação dos serviços de saúde é crescente no Brasil. Sua prática coincide com a redução do número de laboratórios públicos, comparativamente a privados, e menor investimento em equipamento e contratação de recursos humanos desde 2005. A afirmativa é um dos resultados da tese Terceirização da prestação de serviços de saúde no SUS: o caso das análises clínicas, defendida pela pesquisadora Maria Angélica Borges dos Santos e apresentada na sessão científica do Departamento de Administração e Planejamento em Saúde (Daps), na quarta-feira (19/9). “No início, havia uma relação de complementação dos serviços privados, mas, atualmente, as relações contratuais são substitutivas”, explicou a palestrante.

A terceirização ou contratação é a delegação a terceiros da prestação de serviços que uma organização poderia ou deveria produzir. O começo desse processo e sua contextualização na saúde, segundo Maria Angélica, são justificados por alguns autores pela ineficiência do serviço público e eficácia do setor privado (fato não comprovado na literatura, de acordo com ela), a crise do Welfare State na década de 1980 e a concepção de que o excesso de poder do estado era um retrocesso à economia.

“Quando esse processo iniciou, os empresários eram vistos como parceiros, e não opositores. As relações do setor público com o privado passaram a ser consideradas políticas modernas e efetivas, sem levar em conta suas diferenças. Outro fator é que, em 2003, a OMS recomendou a parceria com as organizações privadas para fortalecimento do desempenho dos sistemas de saúde”, informou a pesquisadora da Escola de Governo em Saúde da ENSP.

Para reforçar o crescimento da terceirização no setor público internacional, Maria Angélica citou um novo modelo de gestão pública que emergiu na década de 1980, o New Public Management (NPM), que indicava políticas para modernizar e tornar o setor público mais eficiente. “O NPM considerava que o estado deveria ceder espaço ao privado com base em algumas tendências, entre elas a diminuição do crescimento da máquina pública, a privatização com ênfase no auxílio da prestação de serviços ao governo, a intensificação da economia e uma agenda mais internacionalizada. A fundamentação teórica para sua atuação é o foco na mensuração dos resultados: o mercado seria a saída para as falhas do estado.”

Terceirização no SUS


No Sistema Único de Saúde, as terceirizações surgiram a partir da necessidade de ampliação da cobertura ainda na época do Inamps. Inicialmente, segundo Maria Angélica, essa relação era conveniente e de complementação dos serviços. Agora, ela é substitutiva. “A decisão de terceirizar é política. Não tem nada de técnica. A saída é conhecer os contratos e o que gere o comportamento das empresas.”

Para embasar sua afirmação sobre os desafios do processo, a pesquisadora citou o membro da Academia Nacional de Administração Pública dos Estados Unidos, Christopher Hood, cujos estudos apontam que a NPM “remove mecanismos de neutralidade”. Outros desafios mencionados por ela são os altos custos da formulação de contratos, as oportunidades de corrupção e dificuldade de construir uma agenda comum entre o público e o privado. “Na prática, empresas e governo têm objetivos distintos. Cabe ao governo distribuir riqueza, enquanto a função das empresas é concentrá-la.”

Sobre a tese de doutorado defendida este ano no Programa de Saúde Pública da ENSP, Maria Angélica afirmou que o estudo foi apresentado na forma de três artigos, com o objetivo de “avaliar a difusão e aspectos estruturais das terceirizações em análises clínicas no SUS e propor indicadores para tomada de decisão e acompanhamento”. Os artigos analisam o fenômeno segundo três perspectivas: a contextualização da terceirização nos serviços públicos como uma inovação no âmbito da globalização econômica e internacionalização do comércio dos serviços de saúde; uma descrição da estrutura e padrões de terceirização dos serviços de análises clínicas no Brasil com base nos censos em estabelecimentos de saúde; e uma avaliação da terceirização da rede pública de laboratórios de análises clínicas que inclui indicadores de desempenho.

“A terceirização dos serviços integra um movimento de expansão de mercados. Os laboratórios privados no Brasil cresceram mais que os públicos entre 2002 e 2009, aumentando a oferta de subespecialidades complexas. Isso pode ocasionar uma dissociação entre a clínica e o diagnóstico, transformando exames laboratoriais em commodities, e caracterizar o SUS como atividade de mercado”, finalizou.

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