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terça-feira, 27 de agosto de 2013

Do médico Luís Fernando Tófoli(*) para o médico Egberto Ribeiro Turato, sobre as boas vindas aos médicos cubanos

via Blog da Maria Frô


Cartão postal eletrônico público a Egberto Ribeiro Turato:


“Barão Geraldo, 27 de agosto de 2013


Querido Egberto,

Como resposta a uma imagem em que tu dás as boas vindas aos médicos cubanos, estou escrevendo para te contar uma coisa. Finalmente eu estou me posicionando publicamente sobre o Programa Mais Médicos. E, para isso, as manifestações dos médicos e de determinados setores da mídia, tão intensas nestes últimos dias, foram decisivas.

Decidi minha posição como francamente a favor da acolhida dos médicos cubanos no Brasil, mesmo sendo uma medida com caráter com um certo viés eleitoreiro, mesmo sem a relevante revalidação de diploma, mesmo que apenas mais médicos não resolva o problema do SUS, mesmo com o cenário trabalhista heterodoxo, mesmo que eu tenha sido, em mais de uma ocasião, bastante duro com posicionamentos prévios do Ministro Padilha. Chega de xenofobia de jaleco. Chega.

Na durante o longo e intenso período em que trabalhei em Sobral, no interior do Ceará, encontrei alguns médicos cubanos que vieram na revoada de cubanos tucanos (aquela que foi então defendida pela Veja). Depois conheci, em Sobral e Fortaleza, médicos brasileiros formados na ELAM. Tudo o que posso dizer, a despeito da ideia de que seriam doutrinadores hidrófobos da população pobre brasileira, é que todos, absolutamente todos, eram pessoas engajadas com as questões sociais e extremamente preocupadas com as comunidades pelas quais se tornaram responsáveis. Eram médicos de Família e Comunidade exemplares.

As afirmativas de que os cubanos não conseguirão se comunicar com seus pacientes são totalmente ridículas se examinadas na luz de um país tão grande e com tantos dialetos regionais como o nosso. A um médico que fale espanhol – ou português de outro país – lhe bastará interromper um pouco o paciente e pedir que explique a palavra que quer comunicar. Foi assim que eu aprendi todas aquelas expressões diferentes e interessantes do interior do Ceará que muitos médicos sul-sudestinos gostam de citar para desprezar a ignorância do ‘povo do SUS’ como que eles têm que lidar quando não estão em consultórios ou hospitais ‘diferenciados’. Na verdade, o grande ignorante é aquele que não quer aprender com o outro.

Como professores de Medicina e Psicologia Médica, nós, Egberto, somos testemunhas vivas de que há um trabalho do chamado ‘currículo oculto’ da Medicina para destruir todos os avanços curriculares de uma década centrados na importância da comunicação, da relação médico-paciente e da responsabilidade social dos médicos. Se os cubanos tiverem a consciência de quão importante é a perfeição destes atributos em um esculápio, terão desempenho melhor do que a média dos médicos que eu mesmo auxiliei a formar.

Eu entendo que chegou a hora de receber estes doutores da forma calorosa que se diz que os brasileiros recebem os estrangeiros, deixá-los trabalhar, e avaliar cuidadosamente a experiência. Nós, médicos, temos em geral nos comportado de maneira exemplarmente horrorosa nesse caso, como o que aconteceu ontem em Fortaleza. A cegueira (será aquela branca de que Saramago nos conta em ‘Ensaio sobre a Cegueira’?) da categoria mostra que ela não tem sensibilidade para o que a população quer ou pede, e se isola em uma alta torre de marfim, ouvindo só a Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor e Alexandre Garcia.

Enfim, Egberto, quero te dizer que estou contigo, e já te proponho, também aqui publicamente, fazermos a nossa parte: um estudo sobre os médicos cubanos que vierem para a região de Campinas. Espero que tu e outras pessoas engajadas, como Rosana Onocko Campos e Gustavo Tenório, se interessem pela ideia.

Grande abraço para ti aí em Praga. Bom retorno.

Tófoli”


(*) Luís Fernando Tófoli é graduado em Medicina, residência médica em Psiquiatria e doutorado em Medicina (Psiquiatria), todos pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professor-doutor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas. É membro efetivo do Programa de Pós-Graduação em Saúde da Família (Mestrado Acadêmico em Saúde da Família) da Universidade Federal do Ceará (UFC, Campus Sobral), onde também trabalhou no Curso de Medicina. Atua principalmente nos temas saúde mental em atenção primária, atenção psicossocial, sintomas físicos inexplicáveis (sofrimento somático) e ayahuasca.

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