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domingo, 22 de setembro de 2013

“Muitos que criticam os políticos cometem algum tipo de corrupção”


Oscar Pilagallo, jornalista, autor do livro Corrupção – Entrave ao Desenvolvimento do Brasil

na Gazeta do Povo

Para o jornalista e escritor Oscar Pilagallo, a visão de que a corrupção tem aumentado no Brasil pode estar distorcida, pois na época da ditadura militar, por exemplo, não havia instrumentos de transparência pública e a imprensa, principal meio de denúncia desse tipo de crime, estava censurada. “O que está aumentando não é necessariamente a corrupção, mas a percepção de que a corrupção existe”, diz ele em entrevista à Gazeta do Povo.
O jornalista acaba de lançar o livro Corrupção – Entrave ao Desenvolvimento do Brasil, escrito com base em debates entre 14 pessoas conhecedoras do tema em 2012, num evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (Etco). Uma das conclusões do livro é que são vários os fatores que contribuem para a corrupção, inclusive os pessoais. “Muita gente que critica os políticos também acaba cometendo atos que envolvem algum tipo de corrupção na vida privada”, diz o jornalista – que, porém, acredita que o caso do mensalão ainda não está perdido.
Segundo seu livro, a tendência à corrupção não depende só de características pessoais; o sistema também colabora. Quais os aspectos que podem levar a esse crime?
Vários aspectos. Muita gente que critica os políticos também acaba cometendo atos que envolvem algum tipo de corrupção na vida privada, como tentar tirar vantagem pessoal, furar fila ou fazer fila dupla. São pequenos atos que não são graves, mas a conduta é errada. No mundo da política partidária, acontece esse mesmo comportamento, mas elevado a um grau exponencial que acaba causando problemas a toda a sociedade.
O brasileiro é corrupto?
É mais uma coisa da natureza humana do que da nacionalidade. Não acho que o brasileiro seja mais ou menos corrupto do que pessoas de outros países. Aliás, as pesquisas internacionais mostram que o Brasil está em situação pior que os países mais desenvolvidos, mas em situação melhor que os países comparáveis ao Brasil, como Rússia, Índia e China. Na América Latina, com exceção do Chile e do Uruguai, o Brasil está melhor que os outros. Ou seja, o brasileiro está em um nível compatível com o grau de desenvolvimento da sociedade. Muita coisa foi feita, mas ainda falta muito mais para ser feito.
Isso inclui a punição da corrupção?
Certamente. A sensação de impunidade tende a fazer com que as pessoas fiquem mais relaxadas. Quem tem predisposição para uma atividade corrupta fica com as mãos livres, acreditando que não vai haver punição.
Além da punição, o que mais é necessário para combater a corrupção?
A legislação é muito importante e podemos analisar esse aspecto de duas maneiras: o que foi feito e o que ainda falta fazer. Desde a redemocratização, praticamente todos os governos tomaram iniciativas ou criaram meios para tornar as contas públicas mais transparentes e, portanto, coibir a corrupção. Isso começou no governo Sarney, que criou o Sistema Interno de Administração Financeira do Governo Federal [Siaf]. Em 2000, Fernando Henrique Cardoso criou a Lei de Res­­ponsabilidade Fiscal. No governo Lula foi criada a Controladoria-Geral da União. Mais recentemente, a presidente Dilma criou a Lei de Acesso à Informação e, há um mês, foi aprovada a Lei Anticorrupção, que criminaliza a corrupção por parte das empresas. Sempre olhamos a corrupção do lado do agente público. Mas muitas vezes esquecemos que, se alguém é corrompido, é porque alguém corrompeu – em geral, do setor privado. Enfim, os governos respondem à demanda da sociedade – uma prova foram as manifestações recentes que fizeram uma condenação explícita da corrupção. A situação ainda está longe da ideal, mas temos que reconhecer o que foi feito.
A alternância de poder também ajuda a combater as irregularidades?
A alternância de poder é um mecanismo que coíbe a corrupção porque a permanência de um mesmo partido no governo por muito tempo acaba gerando vícios. Nos países onde não houve alternância de poder, como o México, as pessoas se acomodam. Não há uma renovação e isso tende a gerar um ambiente favorável à corrupção. A alternância em si não resolve, mas pode ter um papel salutar.
O julgamento do mensalão pode abrir uma nova visão sobre o combate à corrupção?
O mensalão foi um caso de tanta visibilidade que vai servir como um divisor de águas. Quando tudo acabar, vai ficar a impressão que a impunidade não é tão grande assim. Por outro lado, é um processo complexo, tudo é feito com base nas leis que estão sendo interpretadas e acredito que as manifestações que ocorrem têm caráter partidário dos dois lados: de pessoas que criticam o STF e, por outro lado, das pessoas que falam o contrário.
Há uma tentativa de desqualificar os órgãos de controle e, nesse caso, o STF?
As pessoas com viés partidário tentam desqualificar a ação do STF. Na iminência de haver outro julgamento, tentam desqualificar os votos dos ministros indicados pelo PT – quando, na verdade, o próprio [Joaquim] Barbosa, que tem sido bem rígido nas condenações, foi indicado por Lula. É uma questão complexa e quem é leigo dificilmente pode ter uma opinião muito equilibrada. Os ritos da Justiça estão sendo cumpridos e, no futuro, a imagem que vai ficar ainda será a de um divisor de águas. Haverá punições e outras pessoas terão as penas reduzidas. Mas, no conjunto, vai haver a impressão de que foi um processo importante para combater a corrupção.
O Judiciário ainda é lento na análise de casos de corrupção?
A Justiça no Brasil infelizmente é lenta. Um bom exemplo disso é o do ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, que foi condenado em um fórum no exterior por vários casos de corrupção. Logo depois da condenação, ele elogiou a Justiça brasileira, em que os réus têm todo tipo de possibilidade de rever a decisão e protelar a condenação. Esse elogio, partindo do Maluf, é uma crítica à atuação da Justiça brasileira.
Uma das ferramentas de combate à corrupção é a transparência. As ferramentas que existem são suficientes?
Todo o conjunto dá uma boa base para se combater a corrupção, mas só o instrumento não é suficiente. Aos poucos, acredito que a sociedade vai aprendendo a usar esses instrumentos e fará cobranças a partir deles. Mas é um processo. Não é porque a Lei Anticorrupção foi sancionada, por exemplo, que daqui a um ou dois meses o problema vai estar sanado. Aos poucos, ela vai ser acionada e o resultado vai aparecer. Minha impressão é que o caminho e a direção estão corretos; a velocidade é que poderia ser maior. Mas é uma questão de amadurecimento da sociedade.
Essas novas ferramentas de transparência têm deixado a corrupção mais visível?
É bem provável. Às vezes, temos a impressão de que a corrupção está aumentando. Mas o que está aumentando não é necessariamente a corrupção, e sim a percepção de que a corrupção existe. Isso porque esses instrumentos permitem que novos casos venham à tona, da mesma maneira que a imprensa livre e investigativa também traz casos ao conhecimento público. Não dá para comparar a situação de hoje com a da ditadura militar, quando a imprensa estava censurada. Não dá para saber se hoje há mais corrupção do que naquela época porque a situação é totalmente diferente.

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