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sábado, 31 de maio de 2014

Política do álcool no Brasil é 'fraca', diz médico dos EUA

Uma das maiores autoridades da área, Thomas Babor critica a falta de fiscalização e defende maior taxação do preço das bebidas

na FSP


A política brasileira de prevenção aoconsumo de álcool e outras drogas é fraca e abaixo da média de outros países. É o que afirma o médico norte-americano Thomas Babor, 69, uma das maiores autoridades mundiais nessa área.

"A lei prevê controle [como proibir a venda a menores de idade], mas não é obedecida, pois não há fiscalização."

Professor da Universidade de Connecticut e editor-chefe de uma renomada revista científica na área de dependência química ("Addiction"), Babor defende aumento da taxação do preço das bebidas e maior investimento em tratamento e prevenção.

Procurado, o Ministério da Saúde disse que não se pronunciaria sobre as críticas. Na posse, em fevereiro, o ministro da Saúde, Artur Chioro, defendeu o reforço da política de prevenção ao consumo do álcool. A seguir, trechos da entrevista que Babor concedeu à Folha em seminário internacional que aconteceu em São Paulo.

Folha - Como o sr. avalia as políticas de álcool e outras drogas no Brasil? 
No geral, são fracas. Falta controle em várias áreas, como no marketing de bebidas. Os impostos sobre os produtos também não são altos. A lei prevê controle [como a proibição da venda para menores de idade], mas não é obedecida porque não há fiscalização. Se você olha a média de sucesso em países que têm políticas de prevenção e tratamento em álcool e drogas, o Brasil está bem abaixo.

Quais países têm hoje as melhores políticas? 
Os países nórdicos são os mais bem-sucedidos. A Suíça não permite anúncios de bebidas alcoólicas. Eles também aumentaram o preço das bebidas e a indústria tem que pagar todo o dano causado. Você não encontra álcool disponível 24 horas por dia em todos os lugares aonde vá. A França vem diminuindo o consumo de bebidas com leis mais rígidas que proíbem a venda de álcool a menores e que punem os responsáveis. Também tem uma política efetiva em relação ao marketing. Não podem promover o álcool como fazem no Brasil.

O sr. acredita que as pessoas têm noção dos riscos que o álcool causa, como já acontece em relação ao tabaco? 
Não, não têm. As pessoas sentem muita satisfação com a bebida. Mesmo a relação do álcool com acidentes não é bem compreendida. As pessoas podem dirigir 50 vezes bêbadas e não acontecer nada, por exemplo. Isso pode causar essa falta de preocupação com o perigo. No Brasil, o álcool é popular, associado a comida, esportes, diversão, Carnaval. Quanto mais associações positivas, mais atrativo ele se torna.

Durante a Copa do Mundo, a bebida estará liberada nos estádios. Isso representa um risco de mais violência? 
Sim, mas talvez não seja durante a Copa o maior problema. Nesse período, haverá mais segurança e uma audiência internacional. O problema será após a Copa. Se não mantivermos leis restritivas em relação à presença de álcool nos estádios, poderemos voltar a ter cenas como as de 15 anos atrás, em que pessoas eram mortas a garrafadas. A comunidade de saúde pública, ministros, sociedade civil, todos devem exigir que a legislação volte ao que era antes da Copa [veto de bebida nos estádios].

Quais outras medidas o país deveria tomar? 
Aumentar a taxação sobre as bebidas e investir mais em programas de tratamento e de prevenção. O custo social do álcool é enorme. Os recursos que vêm das atividades comerciais ligadas a ele são muito menores em relação ao gasto para tratar o dano.

A indústria da bebida divulga estudos dizendo que cerveja faz bem à saúde. É verdade? 
Não há evidência científica de que cerveja vá melhorar, de alguma forma, a sua saúde. A evidência é de que quanto mais cerveja você bebe, pior a saúde vai ficar.
Mas a indústria do vinho usa o mesmo argumento, de que a bebida faz bem à saúde... É verdade. Temos alguma evidência de que bebedores moderados de vinho têm menores taxas de doença do coração, por exemplo. Mas a interpretação é questionável. Essas pessoas podem ter outros hábitos que as fazem, no geral, mais saudáveis [como ter boa alimentação e praticar exercícios]. Em geral, esses estudos não conseguem comprovar a causalidade, pois não excluem outros fatores que podem influenciar no resultado.

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