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terça-feira, 28 de março de 2017

STJ reacende importante discussão na Judicialização da Saúde

Por Clenio Jair Schulze* – no Empório do Direito


O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por sua 3ª Turma, decidiu em 21/02/2017, sem votos divergentes, que plano de saúde não está obrigado a fornecer medicamento não registrado na Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

A Corte aplicou literalmente a regra estampada no artigo 12 da Lei 6.360/76 que veda a comercialização de tecnologias em saúde, nacionais ou importadas, sem o registro na Anvisa[1].

Esta foi a ementa da decisão:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS. RECUSA À COBERTURA DE TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. PLANO DE SAÚDE GERIDO POR AUTOGESTÃO. BOA FÉ OBJETIVA. MEDICAMENTO IMPORTADO SEM REGISTRO NA ANVISA. FORNECIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 284/STF. 1. Ação de obrigação de fazer e compensação por dano moral ajuizada em 14.06.2013. Recurso especial atribuído ao gabinete em 25.08.2016. Julgamento: CPC/73. 2. A questão posta a desate nestes autos, consiste em aferir se é abusiva, cláusula contratual em plano de saúde gerido por autogestão, que restringe o fornecimento de medicamento importado sem registro na ANVISA. 3. Por ocasião do julgamento do REsp 1285483/PB, a Segunda Seção do STJ afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato de plano de saúde administrado por entidade de autogestão, por inexistência de relação de consumo. 4. O fato da administração por autogestão afastar a aplicação do CDC não atinge o princípio da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda); e, a aplicação das regras do Código Civil em matéria contratual, tão rígidas quanto a legislação consumerista. 5. Determinar judicialmente o fornecimento de fármacos importados, sem o devido registro no órgão fiscalizador competente, implica em negar vigência ao art. 12 da Lei 6.360/76. 6. A ausência de fundamentação ou a sua deficiência importa no não conhecimento do recurso quanto ao tema. 7. Recurso especial conhecido parcialmente, e nessa parte, provido[2]. [grifado]

A decisão reacende importante discussão e fixa novo marco interpretativo na Judicialização da Saúde, porquanto não era incomum encontrar decisões dos Tribunais do Brasil que deixavam de aplicar a regra do artigo 12 da Lei 6.360/76.

Muito embora o caso julgado pelo STJ tenha como origem plano de saúde gerido por autogestão, a norma que proíbe a comercialização de medicamentos, produtos e outras tecnologias em saúde sem registro na Anvisa também é aplicável a outras relações jurídicas públicas (envolvendo o Sistema Único de Saúde – SUS) ou privadas (envolvendo outras modalidades contratuais de planos de saúde).

Desta forma, a despeito de inexistir uma definição do Supremo Tribunal Federal (que ainda precisa concluir o julgamento do RE 657718/MG), a decisão acima transcrita restaura o debate sobre um dos pontos centrais da Judicialização da Saúde, especialmente porque: (a) conferiu vigência e validade ao artigo 12 da Lei 6.360/76; (b) assentou que o registro na Anvisa dos medicamentos e das demais tecnologias são garantias à saúde da população e; (c) assentou a importância dos atos normativos do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, ao transcrever o item I, b2 da Recomendação 31, de 30/03/2010, que sugere aos magistrados do Brasil não acolher pedido para “fornecimento de medicamentos ainda não registrados pela ANVISA, ou em fase experimental”.

Trata-se, portanto, de um precedente que pode auxiliar os juízes do Brasil na análise e na resolução dos milhares de processos que envolvem a Judicialização da Saúde[3].

Notas e Referências:

[1] Art. 12 – Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de registrado no Ministério da Saúde.

[2] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, RECURSO ESPECIAL nº 1.644.829-SP, RELATORA MINISTRA NANCY ANDRIGHI, julgado em 21/02/2017. Disponível em http://s.conjur.com.br/dl/stj-decide-plano-saude-nao-obrigado.pdf. Acesso em 23 de março de 2017.

[3] Sobre a quantidade de processos judiciais em tramitação no Brasil, ver: SCHULZE, Clenio Jair. Novos números sobre a judicialização da saúde. In: Empório do Direito. Acesso em 11/03/2017. Disponível em http://emporiododireito.com.br/novos-numeros-sobre-a-judicializacao-da-saude-por-clenio-jair-schulze/


*Clenio Jair Schulze é Juiz Federal. Foi Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.

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