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terça-feira, 13 de março de 2018

A Porta do SUS

por Clenio Jair Schulze* no Empório de Direito


O acesso ao Sistema Único de Saúde – SUS é uma das principais questões discutidas na Judicialização da Saúde.

Conforme prevê o Decreto 7.508/2011, para que alguém seja atendido é necessário que procure o SUS, nos termos da seguinte norma:

  • Art. 28. O acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica pressupõe, cumulativamente:

  • I - estar o usuário assistido por ações e serviços de saúde do SUS;

  • II - ter o medicamento sido prescrito por profissional de saúde, no exercício regular de suas funções no SUS;

  • III - estar a prescrição em conformidade com a RENAME e os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas ou com a relação específica complementar estadual, distrital ou municipal de medicamentos; e

  • IV - ter a dispensação ocorrido em unidades indicadas pela direção do SUS[1].


Ou seja, é preciso ingressar na porta do SUS para obter a prestação pública do serviço.

Tal questão é importante porque não é sempre que isso acontece.

É que não é incomum encontrar-se processos judiciais em que o cidadão vai direto ao Poder Judiciário sem passar pela porta do SUS. Em tese, salvo justificativa muito especial, isto não é possível, pois: (1) violaria a norma acima transcrita; (2) traria desorganização ao sistema; (3) negaria vigência ao princípio da isonomia, pois haveria atendimento preferencial em detrimento daqueles atendidos apenas extrajudicialmente; (4) fomentaria a judicialização sem que ela fosse necessária, em muitos casos.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF4 já tem decisão aplicando tal lógica, conforme se constata no seguinte provimento: 

  • ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. TRATAMENTO PARTICULAR. SUBMISSÃO AOS PROTOCOLOS CLÍNICOS DO SUS. AUSÊNCIA. 1. A União, Estados-Membros e Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. 3. O direito à saúde é assegurado como fundamental, nos arts. 6º e 196 da Constituição Federal, compreendendo a assistência farmacêutica (art. 6º, inc. I, alínea "d", da Lei n. 8.080/90), cuja finalidade é garantir a todos o acesso aos medicamentos necessários para a promoção e tratamento da saúde; não se trata, contudo, de direito absoluto, segundo reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal, que admite a vinculação de tal direito às políticas públicas que o concretizem, por meio de escolhas alocativas, e à corrente da Medicina Baseada em Evidências. 4. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto[2].

Como fundamento da decisão, apontou-se que: “não havendo prova no sentido da submissão de tratamento através da rede de saúde pública, inviável que exija dessa apenas o fornecimento de medicamento de alto custo. Se permitido que o tratamento e seu acompanhamento sejam realizados fora do Sistema Único de Saúde, obrigando-se este a fornecer a medicação, haverá detrimento da política pública idealizada para tratamento da enfermidade.”[3]

Tal posição deve ser prestigiada, de modo a fomentar o acesso adequado ao SUS e, principalmente, exigir-se dos entes públicos melhorias no atendimento e na prestação do serviço de Saúde.



[1] BRASIL. Decreto 7508 de 28 de junho de 2011 [Artigo 28]. Regulamenta a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para dispor sobre a organização do Sistema Único de Saúde - SUS, o planejamento da saúde, a assistência à saúde e a articulação interfederativa, e dá outras providências. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/decreto/d7508.htm. Acesso em 11 Mar. 2018.

[2] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 4ª Turma. Relator Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5051198-46.2017.4.04.0000/RS. Julgamento 22 Nov. 2017. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/acordao-trf-nega-concessao-medicamento.pdf. Acesso em 10 Fev. 2018.

[3] BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 4ª Turma. Relator Desembargador Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5051198-46.2017.4.04.0000/RS. Julgamento 22 Nov. 2017. Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/acordao-trf-nega-concessao-medicamento.pdf. Acesso em 10 Fev. 2018.


Disponível em: https://flic.kr/p/nkjsKo

  • *Clenio Jair Schulze é Juiz Federal. Foi Juiz Auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça – CNJ (2013/2014). É Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – Univali. É co-autor do livro “Direito à saúde análise à luz da judicialização”.

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